segunda-feira, 4 de maio de 2009

Rascunhos de Demência

Simplesmente não sabia como reagir; estava petrificado. Os meus dedos sorriam, as minhas mãos tremiam e todo eu era felicidade. O sangue escorria e não interessava. Todo eu era felicidade. O mundo deixou de existir. Era eu e ele, o corpo. A mente ausente queria pesar-me, mas não pesava. Olhei com cuidado, analisei a situação, ponderei e inocentemente, de forma irracional, esbocei um sorriso. Foi tão natural. O grito dos outros não me afectava; era melodia. Uma linda melodia. O primeiro, Frank. Foi o primeiro de muitos, mas o primeiro. O primeiro é o mais importante. É o que marca. É o começo.

Afaguei-a de encontro ao meu peito. Abracei-a com todo o carinho que me sobrava. Ela olho-me nos olhos e sorriu. Proclamou palavras de amor e ternura e suavemente sussurrou desculpa. Eu disse que não fazia mal e perdoei-lhe. Ela ajoelhou-se no chão tão pequenina. Não pensei duas vezes. Não pensei. Pai, pai, pai! Relembrei-me como que a acontecer de novo. Pai, pai, pai! Cala-te, dizia eu para dentro. Em poucos momentos o mundo caiu. A sua face escorria pelas minhas mãos lentamente. Porra! Percebi que era incontrolável. Dominava-me. Uma doença. A pior que se pode ter. A minha morte fora de causa, mas a dos outros, a dos que eu amo sempre na ponta do precipício. Bati-lhe vezes sem conta no peito. Acorda, acorda! Dormia descansada e perturbada. Apaguei a memória e descansei. Afastei a dor e sorri. Acabou. E agora doí. Agora doí tanto. Quero dormir e não posso. A minha mente doí tanto e não consigo acalma-la. Perdoa-me. Perdoa-me, mas não posso perdoar-me. Nem eu nem ninguém. Descansava. não existia mais, mas agora parece que me quer castigar. Assombra-me. A dor voltou. Pior que antes. Quero que pare. Quero descansar.


Charles henry, Demência

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